"Navio Negreiro / Um Indio" lyrics - MARIA BETHANIA

MARIA BETHANIA
"Navio Negreiro / Um Indio"

Era um sonho dantesco... o tombadilho,

Tinir de ferros... estalar do acoite...
Legioes de homens negros como a noite,
Horrendos a dancar...

Negras mulheres, levantando as tetas
Magras criancas, cujas bocas pretas
Rega o sangue das maes:
Outras, mocas... mas nuas, assustadas,
No turbilhao de espectros arrastadas,
Em 'nsia e magoa vas.

Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martirios embrutece,
Chora e danca, ali.

Senhor Deus dos desgracados!
Dizei-me vos, Senhor Deus!
Se e loucura... se e verdade
Tanto horror perante os ceus...

Quem sao estes desgracados
Que nao encontram em vos
Mais que o rir calmo da turba

Dize-o tu, severa musa,
Musa liberrima, audaz!

Sao os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...

Sao os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidao...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje miseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razao...

La nas areias infindas,
Das palmeiras no pais,
Nasceram criancas lindas,
Viveram mocas gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos veus...
...Adeus! o choca do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...

Senhor Deus dos desgracados!
Dizei-me vos, Senhor Deus!
Se e loucura... se e verdade
Tanto horror perante os ceus...

O mar, por que nao apagas
De tuas vagas
De teu manto este borrao?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufao!...

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta inf'mia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira e esta,
Que impudente na gavea tripudia?!...

Auriverde pendao de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balanca,

Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

...Mas e inf'mia demais...
Da eterea plaga
Levantai-vos, herois do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendao dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!
...

Um indio descera de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que vira numa velocidade estonteante
E pousara no coracao do hemisferio sul
Na America, num claro instante
Depois de exterminada a ultima nacao indigena
E o espirito dos passaros das fontes de agua limpida
Mais avancado que a mais avancada das mais avancadas
Das tecnologias

Vira impavido que nem Muhammad Ali
Vira que eu vi, apaixonadamente como Peri
Vira que eu vi, tranquilo e infalivel como Bruce Lee
Vira que eu vi, o axe do afoxe Filhos de Gandhi
Vira

Um indio preservado em pleno corpo fisico
Em todo solido, todo gas e todo liquido
Em atomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som
Magnifico
Num ponto equidistante entre o Atl'ntico e o Pacifico
Do objeto-sim resplandecente descera o indio
E as coisas que eu sei que ele dira, fara
Nao sei dizer assim de um modo explicito

Vira impavido que nem Muhammad Ali
Vira que eu vi, apaixonadamente como Peri
Vira que eu vi, tranquilo e infalivel como Bruce Lee
Vira que eu vi, o axe do afoxe Filhos de Gandhi
Vira

E aquilo que nesse momento se revelara aos povos
Surpreendera a todos nao por ser exotico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando tera sido o obvio.
Vira